Por que não cocar?

fonte: radioyande.com
25 de Janeiro de 2018
 Foto:  Mariana Bastani Ribeiro
Por Avelin Buniacá Kambiwá


Eu coco, tu cocas eles cocam? Quem usa o cocar?

Nós usamos cocar! Nós povos originários dessa terra chamada Brasil! E olha nem todos nós indígenas ou seja aqueles que segundo Eduardo Viveiros de Castro  entre outras coisas é:  ...” qualquer membro de uma comunidade indígena, reconhecido por ela como tal.” enfim nem todo “índio” usa cocar.Usar cocar de penas, palha e até de capim ou mesmo algo assemelhado, não é costume de todas as etnias até porque somos mais de 300 povos e falantes de mais de 180 línguas da pra dimensionar tamanha riqueza de universos? 

Ser indígena é pertencimento, cultura, ancestralidade, luta, labuta, coragem, lágrima e resiliência, mas antes e mais importante é a nossa espiritualidade.E para a grande maioria dos povos indígenas o cocar é um símbolo de força, de sacralidade de respeito e de resistência!

Porque não usar cocar no carnaval? Porque não é um adereço, não é uma fantasia. Ele religa toda a nossa cabeça com o sagrado do  povo o qual pertencemos! E quando falo de religar falo sim de religião.De toda uma visão de mundos.Estamos em circulo unidos e nossas lideranças políticas e espirituais ao centro nas penas grandes do cocar mas sem hierarquização porque sem as penas ao redor de nada vale as demais.Vivemos e existimos no coletivo.

Sabendo disso quem em sã consciência usaria um cocar no carnaval? Passando por cima de toda uma trajetória de séculos de resistência e luta de nossos antepassados para podermos saber quem somos e ainda (R)existir?Muita gente! Alguns por ignorância (ela não perdoa) outros por pura chacota e desrespeito e outros ainda por que querem provar que tem o direito consagrado de serem racistas.E para o racismo não existe mais desculpas.Existe reparação!

Não podemos mais nos calar em quase seis séculos de amordaçamento, etnocídio, epistemicídio , genocídio, torturas e brutalidades  sem fim principalmente contra as mulheres,aceitar com que nos violentem mais uma vez, agora e mais uma vez também em nosso sagrado por pura diversão?”Porque eu quero, porque eu comprei,porque eu posso”.Não caro folião não pode a não ser que queira se comprometer de carne, sangue, alma e espirito com a causa indígena e que são muitas causas e todas de grande labuta.E nem mesmo assim...

É uma responsabilidade imensa usar o cocar na cabeça, carregar um território de Encantados ancestrais ao seu redor e toda uma comunidade que desenvolve e multiplica saberes milenares e seculares a cada geração. Pedir, ensinar, orientar e até brigar se for preciso para  manter o nosso sagrado é mais que justo afinal temos que caminhar para uma sociedade menos “cão” do que esta que está aí posta e o Bem Viver que é uma das construções de mundo possíveis nos mostra isso.

Não queremos ser melhores, intocáveis ou impor regras, pelo contrário já fomos demasiado dóceis! Estamos apenas reservando nos o direito de não permitir que brinquem com o nosso sagrado para o bem inclusive da espiritualidade alheia.Somos um com nossa ancestralidade, dela desenhamos nosso mapa rumo ao futuro. 

Não é uma homenagem usar cocar no carnaval, nem tampouco estarmos em nomes de ruas e bairros se por elas não podemos circular livremente. Homenagem é nos ouvir, nos respeitar, entender que somos muito capazes e que não somos povo atrasado e extinto. Homenagem é lutar por direitos indígenas dentro e fora da aldeia, é lutar por demarcação e por segurança alimentar, saúde e tudo que compõe o Nhanderekó ( Bem Viver).

HOMENAGEM É SE DEIXAR TOCAR PELO OUTRO E SEM RETRUCAR, ACENAR COM A ALMA QUE ENTENDEU A DOR DO OUTRO!

Isso é empatia, é ser “poroso” é indianizar-se no mais profundo do ser daquele que respeita a humanidade e a sacralidade no seu irmão.

Nesse carnaval você que me lê pode até usar cocar, ou até um traje completo indígena, mas agora a responsabilidade desse ato é todo seu. Como também é responsável por aquilo que produz e reverbera no mundo de bom ou de ruim. Afinal espiritualidade indígena não culpabiliza, mas também não infantiliza ninguém !

Kuekaturete

#IndianizaBH

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